quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Porca Miséria V - Um Século Depois, Regresso ao Passado.


Guerra Junqueiro, "Pátria", 1896....
Um texto de Guerra Junqueiro sempre actual....


"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando
pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião,
um mostrar de dentes, a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem,
nem onde está, nem para onde vai;
um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência como
que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro
em silêncio escuro de lagoa morta. [.]

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula,
não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha,
sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima,
descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas,
capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação,
da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam,
entre a indiferença geral, escândalos monstruosos,
absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo;
este criado de quarto do moderador;
e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política,
torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.

Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes,
vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido,
análogos nas palavras, idênticos nos actos,
iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero,
e não se malgando e fundindo, apesar disso,
pela razão que alguém deu no parlamento,
de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."

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